segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Uma escola apaixonante

Sabe-se lá como foi que você veio parar aqui. Se foi mero acaso do destino ou não. Então, eu vou aproveitar , te pegar pelo braço e te contar uma coisa. 
 Eu adoro contar causos, é do sangue. Vem lá de longe, de um tio meu de Botucatu, o Ramiro. Passou pelo meu tio Nathan, arquiteto e pela minha mãe, professora Clara, que não perde a chance de contar uma boa história.
Você já saiu pela internet , lógicamente procurando coisas curiosas.
 Há algum tempo atrás entrei num site : São Paulo, minha cidade, porque coloquei o nome Caetano de Campos no google e de repente apareceu uma página cheia de ex-alunos contando alguma coisa sobre a escola, procurando colegas e falando de professores.
Eu entrei nessa  escola com 4 anos e sai com 14.
Quando você não tem nada a ver com a turma de uma determinada época, é muito chato ficar lendo coisas de pessoas que você nunca ouviu falar. Sabe, é como ir à estas reuniões de ex-alunos acompanhando seu marido ou esposa e ter vontade de sair correndo .
Comecei a ler o relato destas pessoas. Me chamou a atenção a menção de dois professores: um tal de Biral de Latim e uma Eneida de matemática. Esta última bem polêmica. Pareceu-me competente, mas traumatizou muita gente. Estes professores do ginásio dos anos 60, não deram aula pra nós dos anos 70.
Na minha época os “ïnesquecíveis “foram a D. Iracema, prof de Francês, gentilmente chamada de D. Boquinha e D. Maria Helena Chagas, de Português, esta sim traumatizou a minha geração. E pra que eu estou te contando tudo isso?
Olha, eu não sou jornalista não. Sou arquiteta. Mas como todo arquiteto faço muitas coisas ao mesmo tempo. Sou pintora há 20 anos. Quando eu resolvi cursar arquitetura, quis entender por que diziam que arquiteto projeta e engenheiro constrói. Eu me perguntava, se com tantas plantas para serem feitas e números a serem calculados  por que Arquitetura era humanas e não exatas?
 Eu descobri lá com o pessoal da Faculdade de Arquitetura da Belas Artes. Na época, quando cursei, ficava no prédio da Pinacoteca e muitos dos meus professores eram da FAU : basicamente o arquiteto observa, entende e transforma. As plantas, os números, os desenhos , são apenas instrumentos do seu trabalho.
Percebi , então, que havia entrado no curso certo. Eu sempre observei e muito. Tento entender e por que não transformar?

Por que será que muita gente , fica se perguntando como naquela musiquinha antiga que diz: que saudades da professorinha, que me ensinou o be-a-bá, onde estará Mariazinha, meu primeiro amor, onde andará? E não faz nada pra mudar e matar as saudades.
Você nem vai acreditar o que eu fiz em dezembro passado: depois de 33 anos sem ver ninguém da minha turma, fui atrás de todos eles e da minha professora que me ensinou mais que o be-a-bá, a D. Kiyome,que me passou valores , o que me marcou por toda vida.
 Menino, que alegria! Nessa escola, o Caetano de Campos era assim: você entrava no Jardim com uma turma aos 4 anos e saia com 14 ou 17,18, entendeu, passava a infância e adolescência com o mesmo grupo de pessoas. A escola te preparava, com uma qualidade de ensino fenomenal, todos tínhamos orgulho dela e não havia porque sair. 
Mas a escola era tão grande , que da mesma série havia até 5 classes, acredita? Era enorme, sabe aquela construção na frente da Praça da República, era lá. Virou Secretaria da Educação. Bem, no final todos se conheciam, ao menos de vista.
Fui atrás e encontrei 90 colegas em 2 meses. De sobremesa 3 professoras do primário e o diretor da escola, tá bom ou quer mais? Fui além: pedi aos meus colegas que me mandassem fotos da época da escola, pra criar um álbum de fotos coletivo.
 Menino, foi um tal de pedir pras mães irem desempoeirar álbuns velhos esquecidos nos maleiros ou perdidos em algum lugar da casa pra colaborar com a criação do blog-memória, que não foi bolinho. Mãe tá sempre ocupada e fica enrolando.
No frigir dos ovos, veja o que aconteceu: começamos a nos ver uns nas fotos dos outros. Eu me vi em fotos inéditas umas 5 vezes. Que felicidade indescritível! Muitos colegas haviam perdido seus álbuns e resgataram sua infância através destas fotos. Mas pera lá, não parei por aí, resolvi contar a história da escola, focada nos anos 70, por que iria me interessar pela turma da Eneida e do tal Biral de Latim, que aliás nem tivemos no nosso tempo?
Fui pesquisar tudo sobre a escola. Descobri coisas impressionantes. Olha só, eu sempre disse que o mundo é das mulheres e menino, vou te dizer uma coisa: as mulheres que passaram pela escola provam a minha teoria. Você já ouviu falar da Miss Browne?Essa professora americana , nascida no final do séc IXX, dava aula no Mackenzie. Aí, o Caetano de Campos, que era diretor da nossa escola e foi criador do primeiro curso primário de escola pública, resolveu convidá-la pra ser diretora da parte dos meninos. A mulher veio , criou o curso e juntamente com ele colocou educação física na escola, uma revolução! Isso em 1890. Se eu te contar que os exercícios na escola vinham de exercícios militares e havia aula de esgrima você acreditaria?
Bem , lá pelo anos 30, surgiu uma senhora chamada Carolina Ribeiro. Entrou no primário como diretora e depois assumiu toda a escola. Essa mulher fez tanta coisa, que até o Getúlio Vargas mandou copiar tudo o que se fazia na escola. A mulher mandava e todo mundo obedecia. Naquela época teve uma bibliotecária chamada Iracema Marques da Silveira. Ficou 30 anos na escola! Certa vez, um diretor ameaçou fechar a biblioteca infantil. Ela se plantou na porta da biblioteca por dias a fio e lutou com unhas e dentes pra que isso não acontecesse.
Veio uma sra, D. Corintha Accioly , veja bem, mãe de 6 filhas , foi diretora do primário nos anos 50 e 60. Fez campanhas do agasalho, ajudou a AACD, mudou a estrutura do quinto ano, organizou um   milhão de eventos com a participação dos alunos e foi muito querida. Essas mulheres são alguns exemplos porque tivemos outras, professoras que revolucionaram o ensino no Brasil, criaram métodos, escreveram livros, enfim deu pra entender?
Os homens também foram fenomenais, a começar do nosso patrono, mas isso você vai saber lendo na biografia dele, e dos outros, aqui no blog.
Chega de falar. Dê uma olhada no que andei postando. Vai dar pra perceber que eu não consegui parar nos anos 70. E digo mais: vou tentar descobrir mais sobre a Eneida e o Biral…
Vou te contar uma outra coisinha: quem estudou lá é apaixonado pela escola, é piór que cruzamento de corinthiano e santista, são paulino e palmeirense :é um sentimento muuuuuito forte. Isso pra todas as gerações que por lá passaram. 
Você vai se surpreender com o que vai ver, porque é realmente inacreditável ter existido por 83 anos uma escola como aquela..
Agora, como arquiteta e ex-aluna apaixonada pela escola, por mais que tenha observado, não entendi:
Por que tudo isso acabou?


3 comentários:

  1. Aê, será que acabou mesmo ?
    A depender de pessoas como você nossa história será eterna!
    Parabéns e um abração.
    Fernando Amaral

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  2. A professora Eneida de matematica foi professira da minha classe de 7a. serie. As unicas coisas que me lembro dela sao: 1) pavor (ja havia ouvido as historias atraves do meu primo que tambem estudava na Caetano e ja estava no colegial nesta epoca), 2) a maneira com que ela nos chamava aa frente --> "Venha aa pedra" (i.e. pedra = lousa). Meu primo me conta que um dia (fim de semana, e fora da escola) ela viu um dos alunos dela fumando e saiu correndo atras ... nao me lembro como a historia terminou. So sei que eu tinha verdadeiro terror dela (e por consequencia, de matematica; so fiquei curada quando entrei na faculdade).

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  3. Sonia Satenik Chamlian Ferreira dos Santos11 de setembro de 2011 às 18:47

    Fui aluna do professor Biral. Dava aula de Latim. Realmente, as aulas dele causavam muito medo porque toda aula havia chamada oral euma farta distribuição de nota zero.Isso aconteceu na década de 60.
    Havia uma crença em relação ao professor Biral: toda vez que ele viesse de meia branca todo mundo sabia que era zero com certeza.
    O professor Biral tinha um lado interessante quando encontrava a gente nas imediações da Caetano. Era sorridente e ainda brincava com a gente.
    Saudades do professor Biral

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